As incoerências que cantamos, lemos e ainda procuramos.

A coisa mais desconfortante é assentar-se com alguém que se dispõe ajudá-lo, e de repente percebe que as palavras são frases decoradas, jargões e respostas evasivas.
Há muito tempo que me assento nos lugares de adoração, cultos, reuniões de pessoas que dizem conhecer a Deus, e ouço suas palavras para momentos de extrema alegria ou profunda angústia. Às vezes você passa por momentos que a melhor coisa a receber é a experiência de quem canta, escreveu, ou prega, com a evidência do conhecimento de Deus. Mas nem sempre a coisa é assim...

Cada vez mais existem letras e dizeres para afirmar a centralidade do ego, como um renomado pregador disse diante de milhares de pessoas: “Você tem que deixar de ser mesquinho. Precisa lutar pelo melhor. Em minha casa a melhor parte do frango, todo mundo já sabe, é minha e não tem conversa (...)”.
Um dia desses perdi o sono, e pensei: “Quem sabe há alguém pregando seriamente na TV...” – Um milagreiro, dizia: “... porque ele não faz a macumba pra mim? Vai lá, minha filha, e fala pra ele mandar a maldição sobre mim!”. Outro estereotipado dizia: “Quantos cultos você já foi? Quantas igrejas te enganaram? Ah, você precisa vir é aqui. Quem me conhece sabe que não brinco em serviço!” (Sim! Com estas palavras).

O que dizer do líder de audiência que solta quase toda noite: “Agora, vamos passar a recolher sua contribuição em nome de Jesus”. Tudo é em ‘nome de Jesus’ neste programa. Assim cria uma atmosfera de temor, ninguém questiona se Jesus pede contribuição ou não. Imagine! Não contribuir com Jesus?

Para qualquer crítica que é feita aos evangélicos pelos evangélicos tem alguém que diz: “Que absurdo! Ao invés do povo lutar pela união, fica jogando pedras, se rebelando...”. Não sou rebelde, estou no meio, convivo não fico dizendo: “Parei de me chamar evangélico”. Também não sou conhecido. Não tenho nenhuma referência pessoal, que alguém sabendo possa dizer: “O ‘tal’ disse, vamos ouvi-lo!”. Nem quero isto! Qualquer proeminência neste meio hoje prega a mesma peça que há sobre um ganhador de Big Brother: eleito pelo povo.

Sou alguém que crê que de fato conhecer a Deus faz toda a diferença, inclusive ser sincero. Assumir a pecaminosidade a despeito do que a teologia diz aqui ou ali. Aceitar que dentro existe uma alma, que tem dores, quer chorar, e às vezes quer dizer para si que se sente abandonada ao invés de viver na hipocrisia sorridente, só porque dizem que deve ser assim.

“Quando o que era difícil se torna impossível, Deus começa agir”. É a única condição para Ele agir? Como disse uma senhora que eu atendia: “Não venha você também defendendo Deus. Por que Ele gosta de brincar com a nossa cara?”. Pergunta medíocre essa? Não! Pergunta sincera. De quem ouve de tudo, menos como Jesus agia na vida de qualquer um que Ele amou “até o fim” (João 13:1).

“Somos escolhidos dentre todos. Somos escolhidos para sermos teus!”. João escreveu: “...Ele é a propiciação (oferta) pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (1 João 2:2). “...não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2 Pedro 3:9). E aí?

“Quando o crente está firme nos pés do Senhor, ele passa pela prova cantando louvor”. Se passar pela prova chorando não está firme? Davi disse: “... As minhas lágrimas têm sido meu alimento dia e noite” (Salmo 42:3).
Por isso que uma senhora, a quem tenho profunda compaixão, chafurdou-se em remédios psicotrópicos, dizendo: “Nãããão pastor! Crente que é crente não dá moleza pra o sofrimento. Se você é crente mesmo, não fica por aí chorando”. Hoje, quem chora é a família dizendo: “Antes de ser crente, ela vivia bem. Agora é tão insensível!”.

“Vejo que a vitória do Senhor está chegando aqui neste lugar. O povo acreditou. O povo profetizou, e a vitória veio em nome do Senhor!” Evangelho segundo Lair Ribeiro: “Se você é positivo o universo está a seu favor!”. A vida das palavras mágicas. Se você diz acreditando em “sua palavra”, surge! Simples, não?
Quando criança, ouvia um hino que dizia: “os melhores hinos e poesias foram feitos na tribulação”. Uau! Quando alguém terá coragem de dizer isto novamente?

Poesia é a expressão da alma. Linguagem que cura. Alma é coisa de gente sincera, e não de quem quer ganhar dinheiro. O escândalo é que o ímpio em sua melancolia se expressa melhor que o crente na sua “sinceridade aprendida”. Como escreveu Leonard Ravenhill: “Crente não mente, ele apenas canta”. Por quê? Porque o compromisso não é com a verdade, é com o que é bacana! Baco era o deus libertino na mitologia – Você diz: “Que absurdo!” – O problema é que crente não tem Baco, mas esconde Mamom: o deus da avareza que nosso Senhor Jesus condenou (Mt 6:24).
O que dizer das bíblias? “do executivo, do ministro, do adorador, da mulher, do homem, do adolescente, do jovem, da criança, “Street Bible”, Bíblia para cura emocional, para prosperidade, dos gays (sim, têm! Autorizada pelo arcebispo de Cantembury), etc.

Numa livraria “evangélica”, você paga de 5 a 500 reais numa Bíblia. Dvd de pregação chega a custar 40 reais, e pode ter o título “Como ter vitória financeira?”.
O interessante é que ninguém canta “Como pude então, ter chegado aqui...” para esta situação! Talvez, alguém que lucra com isto use o “Tudo posso naquele que me fortalece”, usando o “posso” como “possessividade”. É o evangelho Tim Maia: “Vale tudo!”.

Eu não me envergonho do evangelho, mas sinto vergonha do que evangélicos fazem . “Digno é o obreiro do seu salário” - mas desde quando o salário de um deve ser a extração do salário de todos que o assistem? “Fique aí, depois do intervalo farei uma oração abençoadora pra você e sua família!” – é “idiotizante” - o intervalo acaba, o cidadão volta e diz: “Hoje estou lançando esta Bíblia, ela custa ‘x’, e você pode me dar um cheque para...”.

Estou aqui, inquieto, e ouvindo a música “Getsêmani” do Leonardo Gonçalves: “... Ele tanto amou. Tudo suportou. Ele carregou a nossa cruz. Vê o Mestre a chorar, e foi por você que Ele mostrou tanto amor”. Se você não chora pelo estado que estamos, e não faz algo, ainda não entendeu o que aconteceu no Getsêmani, e também não faz sentido cantar “Cantarei teu amor pra sempre”.

William Cowper compôs: “Há uma fonte cheia de sangue que flui das veias do Emanuel, e os pecadores que mergulharem nesta fonte, perdem todas as suas manchas de culpa” (There is a fountain). Isto parece uma heresia aos ouvidos dos evangélicos da geração que troca “Créu” por “Céu”, com a desculpa de evangelizar baile funk.

Não precisa fazer-se de intelectual, ser cheio das normas cultas, etc. Mas é um pecado dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus, e que o Céu existe nestas condições. Pior é que ainda existe quem diz: “Se deseja cantar no louvor da nossa igreja, ‘ser um levita’, só ouça músicas evangélicas, porque elas têm unção”. Protesto! Ouvir “É preciso saber viver” do Roberto e Erasmo Carlos faz o bem que as músicas de “Chuva” não cumprem neste molhado chovido e escorregadio de silêncio.

O Jorge Camargo compôs: “Eu não quero só te conhecer de ouvir falar, saber não é o bastante, viver é muito mais”, e “Amolece o meu coração...”. Lindas letras! “Dá-me forças ó Senhor, para te seguir quando difícil for. Que eu já não mais queira revidar, quando um outro meus direitos usurpar”.

Eu não sou adepto deste ou daquele dissidente dos evangélicos. Sou homem, alma vivente, que vive num mundo que não é pra mim, que sente dores na alma e busca ainda uma mensagem que seja bálsamo e mel. O problema é que quando acaba o pão, ninguém diz que está com fome!

Nele, de quem podemos ouvir palavras de vida eterna!

David