11.8.08

SOBRE MEU PAI...

Ontem estive com meu pai. Na verdade estive com todos da minha casa, mas o dia era dele.
Meu pai ainda é inspiração.
Quando pequeno, ansiava por sua chegada. Quando o "Jornal Nacional" começava, ele entrava. Com o cenho franzido, olhos se defendendo da luz, e com um assovio brincalhão anunciava sua chegada.
Eu não era de correr pra ele. Respondia com um sorriso, ou alguma coisa típica de criança, como aquelas frases de uma conversa em andamento, sem precisar de introdução.

Há poucos dias quando eu estava triste, muito machucado por "coisas de igreja", ele puxou uma cadeira, cruzou as pernas e pendeu o corpo pra frente, e começou:

"Bom, você já ouviu isto antes. Quando eu me converti, só sentia vontade de fazer uma coisa: falar do Amor de Deus para as pessoas. Não me importava com a distância. Eu aparelhava um cavalo num sábado, e saía logo cedo, e ia de colônia em colônia nas fazendas da região pregando o Evangelho.
Quando eu chegava, dava um tempo pra o pessoal chamar os parentes e amigos, vinham todos pra uma área - os velhos, as senhoras, as crianças - ali fazia uma oração, eu mesmo cantava um hino, e começava a falar.
Você se lembra da família Lopes? Pois é. Todos os irmãos começaram sua caminhada cristã assim. Eu fazia cultos na casa deles na fazenda. O pai deles não gostava de mim. Chegou me jurar de morte com um facão. Mas quando ele sabia que eu ia pra determinado lugar e me espreitava, eu ia pra outro. E assim continuava pregando na roça.
Houve um dia que tive que atravessar um rio, pra pregar num lugar com hora marcada. Havia um canoeiro me esperando à beira, dentro só cabia eu e ele, aquele negócio balançava o tempo todo, e você sabe que não sei nadar - mas lá ia eu!".

Já ouvi várias histórias dele. Filho de mineiro. Contador de história e estórias. Conversa simples e pausada. Sempre esboçando um sorriso. Vez ou outra escapa um verso bíblico na fala. Sem ser "evangeliquês".
Quando chegou o tempo casou-se, e começou seu trabalho de faxineiro no Banco Itaú. Mas não deixou de "falar do Amor de Deus" - (frase que ele usa para se referir ao seu ministério).
Quando eu era criança, íamos a uma igreja sem muita expressão durante a semana. Mas eu sabia que ele ia pregar. Subia no púlpito de cabeça erguida, corpo franzino mas com seu vozerão, geralmente abria a Bíblia num texto conhecido de todos, curto, e começava a contar uma experiência no trabalho bancário com analogias a um princípio bíblico.
No último culto de ceia na Igreja do Nazareno Central de Campinas, quando eu estava ajudando à mesa diante de 3 mil pessoas, vi um rosto conhecido, na multidão, ele apontava para mim e falava com a esposa. Li seus lábios: "É ele, o filho do pastor David!".
Meu pai era chamado de "pastor", mas nunca houve uma cerimônia de ordenação segundo os ditames das igrejas. Mas eu sei quem ele é:
  • Ele é aquele que ás 3 da manhã, numa madrugada de quarta-feira, quando eu tinha uns 8 anos, falava ao telefone: "Fique calma minha irmã, ela não vai se matar, minha esposa e eu já chegaremos aí para orar com vocês!". Voltou pra casa depois de algumas horas, com o paletó rasgado e o relógio de pulso arrebentado porque orou por uma pessoa possessa. "Mais tem Deus para dar do que o diabo pra tirar" - disse com serenidade quando eu soube do ocorrido.
  • Ele é aquele que levava o pão e o vinho para enfermos no hospital, sem que soubessem...
  • Ele é aquele que disse "Não, estou fora!", pra um trabalho sujo, e depois estourou um escândalo com vários "falsos-pastores", de Campinas e os "anões do Congresso Nacional".
  • Ele é aquele que quando soube da enfermidade de um parente distante, que nem conhecia, viajou umas 7 horas, e o trouxe pra casa, deu moradia, ajudou no tratamento de saúde, e empregou. Por consequência deste ato, via aquele velho primo de minha mãe assentado por horas lendo os Evangelhos e chorando de alegria!
  • Ele é aquele, que quando me ajoelho à beira da cama, me lembro de quando ia à porta do quarto dos meus pais, e o via ali, em silêncio com Deus.
Quando me perguntam sobre inspiração e influência para o que escrevo, prego, faço, etc - minha resposta é: Minha família!
Nenhum homem atravessou a influência que tive dos meus pais. Nenhum doutor, construtor de grandes prédios, oradores de massas, superam o exemplo que vi em minha casa.
Meu pai vive em Barão Geraldo, cuidando do seu jardim, limpando a piscina (que ele chama de caldeirão), e descansando dos mais de 30 anos no Banco.
Recebe a família e os amigos pra um assado e conversas engraçadas.
Mais engraçado, é que dia dos pais quem ganha presente são os filhos!
David "Junior"



2 comentários:

  1. Emocionado, só posso dizer que também agradeço a Deus por esse Pai. David parabéns pelo blog!! um abraço,
    Wagner André de Mello

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  2. David:

    Obrigado por revelar o seu amor pelo seu pai; pessoa que pouco conheço, -
    mas que admiro como irmão

    Luiz

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